quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Assim é a Arteterapia...




“Numa atividade artística exercitamos a totalidade do nosso Ser, pois o pensar, o sentir e o querer são convidados a participar envolvendo assim nossa percepção, sentimento e vontade. A criatividade faz parte de nossa natureza, nos proporciona bem estar e é fundamental para o desenvolvimento de nosso pleno potencial. A arte ajuda no desbloqueio da criatividade e melhora a qualidade de vida, apoiando o processo de mudança; para se beneficiar e usufruir do efeito terapêutico harmonizante da Arte, não é necessário ter dom artístico ou vivência prévia, pois o importante é o caminho interior ativado pelo terapeuta. Não importa o que é, mas sim o que poderia ser; não o real e sim o possível. Nas criações artísticas expressamos nossa essência e assim encontramos em nosso interior satisfação e plenitude. O que importa é a autenticidade da produção única e pessoal”.

- Rudolf Steiner-

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

sábado, 21 de fevereiro de 2015

"A Arteterapia como um novo campo do conhecimento"

tela: Kandinsky

Autoras:
Irene Gaeta Arcuri
Marília Ancona-Lopez 

“Temos arte para que a realidade não nos mate” (Nietzsche)

A Arteterapia é um novo campo do conhecimento, um campo de interfaces, interdisciplinar por natureza. Ao se constituir como um novo campo do saber, a Arteterapia se depara com a interlocução entre várias áreas do conhecimento: antropologia, arte, psicologia, neurologia, psiquiatria, filosofia, sociologia, etc, enfim, fazendo várias interlocuções, sem que seja possível que não seja assim.
Inter é sufixo latino que significa “entre”, “no meio de”. O termo “interface” carrega em si a idéia de que há uma superfície de contato, de articulação entre espaços de realidades diferentes, que pode ser mais ou menos amplo e que varia de momento para momento, ou seja, nunca é estanque. E para que dois elementos funcionem em conjunto é necessária uma conexão, ou várias. Desta maneira podemos pensar que se trata de uma área do conhecimento interdisciplinar por excelência, a qual não pretende a unidade de conhecimentos, mas a parceria e a mediação dos conhecimentos parcelares na criação de saberes.
Trata-se de um exercício que requer responsabilidade pelo pensamento, pelas idéias, pelas ações e pelos sentimentos, viabilizando o conhecimento por meio de competências multifacetadas, incluindo uma racionalidade aberta e acolhedora, pois a emergência das emoções e também da intuição deve necessariamente estar incluída no processo como um todo. Certamente, não se trata de uma proposta simples, já que, neste sentido, a Arteterapia não apresenta um escopo de conhecimento básico exclusivamente seu, como seria o caso da biologia, por exemplo, ou da psicopatologia, entrando então estas em contato com outras disciplinas; o que ocorre, a meu ver, é o surgimento de um novo saber a partir de múltiplos outros saberes, o que suscitaria porventura o termo “transdisciplinaridade” como o mais correto para designar o caminho que se descortina à nossa frente.
A perspectiva transdisciplinar requer a eficácia de uma dialógica, abertura para escutar o que se passa em outras esferas do conhecimento, mesmo mantendo posição divergente, pois é impossível saber tudo e, diferentemente da ciência cartesiana, na Arteterapia, conhecimentos divergentes não são necessariamente excludentes. A transdisciplinaridade aparece como um movimento de reconhecimento do espírito e da consciência, uma consciência nova de realidade e, a bem da verdade, uma nova realidade. È uma conciliação que resulta da compreensão e do re-equilíbrio entre o saber produzido e as necessidades interiores do Homem. Portanto, a transdisciplinaridade instala-se na interação entre o sujeito e o objeto, na compreensão de que a realidade é multidimensional, ou parafraseando Jung (1964, p.23), diante do infinitamente grande e do infinitamente pequeno: “não importa até onde o Homem estenda os seus sentidos, sempre haverá um limite à sua percepção consciente”, e a Arteterapia busca, no próprio cerne do seu nascimento, do seu desenvolvimento e da sua proposta, transcender este limite. Fazendo uso da arte como ferramenta de trabalho, a Arteterapia exalta e liberta as qualidades do indivíduo na práxis da vida, ajudando-o a sentir-se, pensar-se e a agir de acordo consigo mesmo, criando um canal de comunicação entre seus conteúdos conscientes e seus conteúdos inconscientes, ao longo de sua existência. Trabalhando a criatividade, dando forma, cor, expressão aos sentimentos inonimados, conexões são feitas e novos significados podem ser atribuídos a velhas situações vividas que não puderam ter livre canal de expressão no momento em que ocorreram. A arte devolve a liberdade à alma aprisionada pelo vazio, pelo medo, ou ainda pelos sentimentos não nomeados (Arcuri, 2004), e leva à concretização dos anseios das necessidades interiores do ser humano.
Arteterapia pode ser considerada como a utilização de recursos artísticos em contextos terapêuticos, baseando-se na percepção de que o processo criativo envolvido na atividade artística é terapêutico e enriquecedor da qualidade de vida das pessoas. Age a serviço das leis da necessidade interior do Homem e facilita o entrar em contato com o poder criador de cada um, permitindo transpor para o exterior o que ocorre – via de regra, de maneira caótica – no interior, levando assim o paciente a poder observar, refletir, interagir, dialogar e elaborar. Proporciona o reconhecimento da dinâmica psíquica que é uma via de acesso à totalidade de ser. O arteterapeuta amplia e desdobra o potencial do processo de criação do ser humano, como que num processo alquímico, ou como diria são Tomáz de Aquino citando Avicenna em seu Tratado da Pedra Filosofal: “tudo aquilo que existe em potência pode ser reduzido em ato”.
As percursoras da Arteterapia foram Margaret Naumburg, em 1941, e Edith Kramer, em 1958. Naumburg foi responsável por sistematizar a Arteterapia. Começou a desenvolver sua teoria a partir do âmbito educacional e fez algumas relações com trabalhos realizados de forma espontânea. Suas técnicas de Arteterapia eram baseadas na pressuposição de que todo individuo pode projetar seus conflitos em formas visuais. Com abordagem psicanalítica, fazia uso da associação livre no trabalho de arte espontâneo, o qual era compreendido como uma projeção do inconsciente.
Posteriormente Janie Rhyne em 1973, e Natalie Rogers, em 1974, contribuíram de forma significativa para a história da Arteterapia explicando como o processo criativo acontece. Rhyne uniu a teoria gestáltica ao trabalho com arte. O foco do seu trabalho foi a experiência vivida no presente, na teoria do contato, na sensibilização e no conceito praticamente intraduzível de awareness. Na experiência gestáltica de arte, o processo criativo acontece na medida em que as pessoas expressam suas emoções, confiando e usando suas percepções sensoriais. A Arteterapia surge então como uma profissão e, em 1969, foi fundada a American Art Therapy Association.
No Brasil, em 1925, Osório César começou a utilizar a Arteterapia no Juqueri e, posteriormente, a psiquiatra Nise da Silveira, em 1946, começou a desenvolver também um trabalho arteterapeutico no Rio de Janeiro, particularmente no atendimento de esquizofrênicos, criando mais tarde o Museu do Inconsciente.
Atualmente temos vários cursos de Arteterapia distribuídos por todo o país; os mesmos têm crescido de forma rápida, e podemos dizer que a emergência e a consolidação do ensino e da pesquisa em Arteterapia no âmbito da Universidade e fora dela é um significativo evento científico dos últimos dez anos no Brasil. Este crescimento tão rápido parece ocorrer para atender as demandas do ser humano que, na atualidade, podem estar entorpecidos pela tecnologia e pelas doutrinas materialistas com suas tendências meramente utilitárias. A Arteterapia pode prover a alma de sua necessidade de libertação. A expressão artística, muitas vezes, exprime indivisíveis emoções, levando à concretização dos anseios e das necessidades do ser humano. Emoções que não encontram uma maneira socialmente aceitam de expressão, que se introvertem, criando fendas nas profundidades do psiquismo, e deformando suas estruturas básicas.
Certamente a linguagem abstrata presta-se a dar forma a segredos pessoais, satisfazendo uma necessidade de expressão sem que os outros os devassem. A linguagem abstrata cria-se a si própria a cada instante, ao impulso das forças em movimento no inconsciente. (SILVEIRA,1981, p.19)
O que garante o Homem sadio contra o delírio, a depressão e o sofrimento psíquico de ordens diversas não é a sua crítica, mas a estruturação do seu espaço. O sofrimento, muitas vezes, é oriundo do estreitamento do espaço vivido, do enraizamento das coisas no nosso corpo, da vertiginosa proximidade do objeto. Nos sintomas neuróticos, as experiências da espacialidade são essencialmente determinadas pelo tom afetivo dominante no momento. O espaço adquire qualidades peculiares de acordo com o estado emocional do individuo: sensação de plenitude ou de vazio, de espaço amplo ou opressor, iluminado ou sombrio.
A expressão artística, muitas vezes, exprime indivisíveis emoções, levando à concretização dos anseios e das necessidades do ser humano. Emoções que não encontram uma maneira socialmente aceitam de expressão, que se introvertem, criando fendas nas profundidades do psiquismo, e deformando suas estruturas básicas.
Minkowski (1968) aponta que vivemos em dois mundos, ou seja, dois sistemas de percepção totalmente diferentes: percepção de coisas externas, por meio dos sentidos, e percepção de coisas internas, por meio das imagens do inconsciente. A expressão plástica pode tornar real esse fenômeno psicológico por meio das imagens realizadas no ateliê terapêutico, permitindo que a nebulosidade de sentimentos e pensamentos ou a clareza de afetividade se torne visível. Se os conteúdos internos entram em intensa atividade, sua forte carga energética subverte a ordem espacial estruturada pelo consciente. Nesse sentido, podemos concluir que toda obra de arte pode ser considerada um documento psíquico, e é pela expressão artística que podemos entender as relações do individuo com o meio em que vive e também a idéia que ele tem da ordem cósmica.
Silveira (1981) alerta para o fato de que o espaço imaginário e o espaço da realidade estão estreitamente interligados. A reconstrução do espaço cotidiano acompanha a reconstrução do ego. Como o corpo tem necessidade de trabalho, de um fortalecimento muscular, a alma também necessita ser fortalecida. O trabalho por meio da arte proporciona o reconhecimento da dinâmica psíquica, tornando-se uma via de acesso à totalidade do ser, fortalecendo a alma.
Tem-se substituído a alma pela palavra psique. Mas será que a psique substitui a alma? Jung (1985) nos fala que “realmente é impossível fazer o tratamento da alma e da personalidade humana isolando umas partes do resto”(pg.91). Desta forma, podemos pensar que a Arteterapia pode possibilitar a ampliação da consciência, pois, ao promover o reconhecimento da dinâmica psíquica, um diálogo com os conteúdos inconscientes pode ocorrer e os mesmos podem ser trazidos à consciência. Esta ampliação da consciência permite que as projeções sejam recolhidas do mundo exterior e integradas. Não é o sujeito que se projeta, mas o inconsciente. Por isto não se cria a projeção, ela já existe de antemão. A conseqüência deste processo é o isolamento do sujeito em relação ao mundo exterior, pois, em vez de uma relação real, o que existe é uma ilusão. As projeções levam a um estado de ensinamento, no qual se sonha com um mundo cuja realidade é inatingível. Quanto mais projeções se interpõem entre o sujeito e o mundo exterior, tanto mais difícil se torna para o Eu perceber suas ilusões.
Entendemos por Eu aquele fator complexo com o qual todos os conteúdos conscientes se relacionam, diferenciando-o do Self, no qual também os conteúdos inconscientes se relacionam. Este fator se constitui como o centro do campo da consciência e é o sujeito de todos os atos conscientes da pessoa. O Eu considerado como conteúdo consciente em si, não é um fator simples, elementar, mas extremamente complexo, sendo impossível, portanto, descrevê-lo com exatidão. O Eu possui livre-arbítrio, embora apenas dentro dos limites do campo da consciência, possibilitando, entretanto, um sentimento subjetivo de liberdade. O Eu é o sujeito de todos os esforços de adaptação do ser humano.
Mediados pela Arte, estes fenômenos da ampliação da consciência podem ser expressos de forma a adequar significados na vida da pessoa. Ou seja, a arte surge como potencialização, um recurso que propicia olhar a experiência vivida, atribuindo-lhe um sentido singular. A experiência arteterapêutica pode acolher e dar forma e significado ao que antes se apresentava como um desconforto. Para Delefosse: “...a consideração da interação que auxilia a explicitação do vivido, trata-se, portanto de um trabalho interativo que visa, de um lado, favorecer a atividade de construção do sentido do mundo vivido através de uma situação dialógica reflexiva e de outro lado, produzir conhecimentos psicológicos a partir deste material” (p.150.
Ainda segundo Delefosse: “compreender nas ciências do Homem é rejeitar a busca de formulas e leis universais, pelo menos enquanto objetivo principal, e buscar colher a partir do interior a subjetividade significante. A retomada da criatividade possibilita transformações e atribuições de novos significados às experiências vividas, frustradas, ou simplesmente sonhadas. Desta forma as experiências dolorosas e suas cicatrizes podem ser integradas numa consciência ampliada.
Grof (2000) sugere que no estado de consciência cotidiana identificamo-nos com apenas uma fração de quem realmente somos. Nos estados que chamou de holotrópicos, o que significa “caminhar em direção à totalidade do próprio ser”, podemos transcender as fronteiras restritas no ego corporal e reivindicar uma identidade total. Nos estados holotrópicos, ocorre uma mudança qualitativa de consciência de forma profunda e fundamental. Desenvolver um estado holotrópico de consciência leva o indivíduo a mudanças de percepção em todas as áreas sensoriais. No entanto, a consciência quando se amplia tem acesso a informações antes inconscientes, e libera um quantum de energia emocional que estava ligada a processos traumáticos do passado, e então retorna ao estado de vigília anterior, embora acrescida destas experiências e de seus conteúdos. Segundo Grof (2000): “Um aspecto particularmente interessante dos estados holotrópicos é seu efeito sobre os processos de pensamento. O intelecto não fica debilitado, mas opera de uma forma significativamente diferente do seu modo de funcionamento diário. Esse tipo de experiências holotrópicas é a principal fonte de cosmologias, mitologias, filosofias e sistemas religiosos que descrevem a natureza espiritual do cosmo e da existência. Elas são as chaves para a compreensão da vida ritual e espiritual da humanidade, desde o xamanismo e as cerimônias sagradas das tribos aborígenes, até as grandes religiões do mundo” (p.19).
Cézanne, pintor francês, tratava os objetos como homens e descobria a vida interior em tudo. Até mesmo uma taça transformava-se em um ser dotado de alma. A arte pode ser uma força capaz de levar o homem além do “vazio”. É uma linguagem capaz de estabelecer uma conexão com a psique e é a única capaz de compreendê-la. A arte devolve a liberdade à alma aprisionada pelo vazio, pelo medo ou ainda pelos sentimentos que não têm nome. E ela leva à concretização dos anseios da necessidade interior do ser humano.
Rollo May (1995) define criatividade como um processo altamente emotivo que decorre da experiência da auto-realização da nossa potencialidade com um intenso encontro com uma idéia. Kandínsky (1985), ao analisar as diferenças culturais, aponta que o silêncio é sentido como morte para os chineses cristãos enquanto os chineses não cristãos consideram o silêncio como a primeira fase em direção a uma linguagem nova. Depois de buscar esse silêncio interior atingimos o ponto zero, que possibilita a entrada na criação do novo. Este “novo” pode ser expresso pela modelagem em argila. A argila rompe a inércia, enaltecendo o princípio feminino da criação, gestando vida, possibilitando a vivencia simultânea dos quatro elementos da natureza: ar, água, fogo, terra. Gouveia (1989) descreve: “...quando em certos pedaços de barro, ele consegue achar sombras vivas que se movem e tudo o mais que for necessário para simbolizar os seus medos profundos, o cotidiano de sua vida em comum com os restos dos mortais, quando encontra a criança escondida na angustia da adolescência e da idade adulta ... e modela o que capta para além da aparência” (p.56).
Em relação ao vazio existencial, o medo profundo sinaliza uma dependência psicológica. Esta carência, a sensação de falta que se dá em todo ser humano, pode encontrar na Arteterapia, com a expansão da consciência, uma modificação de sentimentos, de visões e atitudes frente ao mundo, possibilitando uma transformação eficiente, uma transição menos dolorosa para um estado de inteireza do ser, porque o mesmo encontra um canal de expressão que pode conter o sofrimento. Kandisky (1985) afirma: “...como qualquer ser vivo é dotado de poderes ativos, e a sua força criadora não se esgota, vive, age e participa na criação de uma atmosfera espiritual” (p.113). A arte é, portanto é uma linguagem capaz de criar um canal de comunicação com a psique, é capaz de compreendê-la na sutileza dos seus nuances.
Ao considerar a dimensão espiritual da psique humana encaminhamos a nossa discussão para a questão da Psicologia que estuda atualmente o fenômeno da ampliação da consciência, muito presente nos processos arteterapêuticos. Os precursores da Psicologia Transpessoal concentraram-se no estudo da consciência e pesquisaram os fenômenos e as experiências “não ordinárias” de consciência. Dentro da perspectiva transpessoal a consciência comum é considerada como um estado contraído e defensivo. Neste sentido, nossa consciência opera inundada por um fluxo contínuo de pensamentos e fantasias que acorrem para atender as demandas de nossas defesas cotidianas. Dentro desta visão, a ampliação da consciência se daria por meio do abandono dessa contração defensiva e da remoção dos obstáculos ao reconhecimento do potencial de encontro com os mundos interno e externo, sempre presente no apaziguamento da mente e na redução da distorção perceptiva.
Diferentemente da concepção ocidental que considera apenas uma gama limitada de estados de consciência, fundamentalmente o estado onírico e o estado desperto, a Psicologia Transpessoal considera que há um amplo espectro de estados de consciência. Grof (1987) sugere que, no estado de consciência cotidiana identificamo-nos com apenas uma fração de quem realmente somos. Nos estados que chamou de holotrópicos podemos transcender as fronteiras restritas no Ego corporal e reivindicar uma identidade total. Nos estados holotrópicos de consciência, ocorre uma mudança qualitativa de consciência, profunda e fundamental. Desenvolver um estado holotrópico de consciência leva o indivíduo a mudanças de percepção em todas as áreas sensoriais. Assim, explica Grof: “Um aspecto particularmente interessante dos estados holotrópicos é seu efeito sobre os processos de pensamento. O intelecto não fica debilitado, mas opera de uma forma significativamente diferente do seu modo de funcionamento diário. Esse tipo de experiência holotrópica é a principal fonte de cosmologias, mitologias, e sistemas religiosos que descrevem a natureza espiritual do cosmo e da existência. Elas são as chaves para compreensão da vida ritual e espiritual da humanidade, desde o xamanismo e as cerimônias sagradas das tribos aborígines, até as grandes religiões do mundo” (2000 p. 19). Ao longo de nossa existência, em momentos de crise podemos re-desenvolver, romper ou ampliar as fronteiras do “Eu”. Isto significa que, a todo o momento, reconstruímos ou destruímos nossa identidade.
Uma das metas da terapia transpessoal seria a tentativa de rompimento com o estado de estagnação da consciência nas porções da personalidade que impedem que outras esferas do ser se manifestem, e, por meio deste rompimento, permitir que a personalidade integral exerça cada vez mais efeito nas atividades cotidianas do indivíduo. O resultado bem sucedido da terapia transpessoal pode ser descrito então como um senso ampliado de identidade, em que o Eu é visto como o contexto da experiência de vida, considerada como conteúdo, sem um grau de restrição tão dramático, como o que ocorre na experiência usual dominada pelo ego.
O conteúdo transpessoal inclui quaisquer experiências em que a pessoa transcenda as limitações da identificação exclusiva com o ego ou com a personalidade, o que termina por se constituir então num objetivo fundamentalmente similar ao da Arteterapia. Também inclui os domínios míticos arquetípicos e simbólicos da experiência interior, que podem vir à consciência por meio de imagens e de sonhos.
As experiências transpessoais têm uma posição especial na cartografia da psique humana. Os níveis rememorativo-analítico e o inconsciente individual são de natureza claramente biográfica. A dinâmica perinatal parece representar uma intersecção ou fronteira entre o pessoal e o transpessoal. Isto se reflete em sua profunda associação com o nascimento e a morte – o início e o fim da existência humana individual, fenômenos que, no momento, estão além de nossa compreensão. (Grof, 1997). Porém, tudo que podemos dizer é que no processo de desdobramento perinatal parece ocorrer um estranho retorno qualitativo e, por meio dele, a auto-exploração profunda e o inconsciente individual tornam-se um processo de aventuras e experiências no universo, que envolvem o que pode ser melhor descrito como consciência cósmica ou mente superconsciente.
Os sintomas emergentes refletem o esforço do organismo para livrar-se dos antigos estresses e das marcas traumáticas, e simplificar seu funcionamento. Este desenvolvimento é, ao mesmo tempo, um processo de descoberta da própria e verdadeira identidade e também das dimensões do próprio ser, que converte o individualismo com todo o cosmos e que são proporcionais a toda existência.


Trabalho do I Simpósio Internacional de Pesquisa em Psicoterapia – agosto 2006
Disponível em: http://www.puc-campinas.edu.br/rep/pos/arquivos/I_SIPP_Trabalhos-Resumos.pdf  pp.10-18 . Acesso dia 01 de agosto de 2011.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Filme: O Mundo De Sofia (PARTE 1 E 2)


SINOPSE:
A Versátil apresenta a versão integral, duplo, de O Mundo de Sofia, minissérie baseada no best-seller internacional de Jostein Gaarder, que vendeu mais de 20 milhões de livros ao redor do mundo e foi traduzido para mais de 40 idiomas. 
Às vésperas de completar 15 anos, Sofia Amundsen recebe mensagens anônimas com perguntas intrigantes, como "quem é você?" e "de onde vem o mundo?". 
A partir dessas mensagens, ela se torna aluna do misterioso Alberto Knox, que a acompanha em uma fascinante jornada pela história da Filosofia, de Sócrates até os dias de hoje, passando pela Idade Média, o Iluminismo, a Revolução Francesa e a Revolução Russa. 
Como o livro no qual se baseia, a minissérie O Mundo de Sofia é uma introdução inteligente e divertida à história da Filosofia, recomendada a todos que têm paixão pelo conhecimento.




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Filme: Quando Nietzsche Chorou (When Nietzsche Wept) 2007 - Legendado

Sinopse: 
Baseado no best-seller e premiado romance de Irvin Yalom, o filme "Quando Nietzsche Chorou" conta a história de um encontro fictício entre o filósofo alemão Friedrich Nietzsche (Armand Assante) e o médico Josef Breuer (Bem Cross), professor de Sigmund Freud (Jamie Elman). Nietzsche é ainda um filósofo desconhecido, pobre e com tendência suicidas. Breuer passa por uma má fase após ter se envolvido emocionalmente com uma de suas pacientes, Bertha (Michal Yannai), com quem cria uma obsessão sexual e fica completamente atormentado. Breuer é procurado por Lou Salome (Kather Winnick), amiga de Nietzsche, com quem teve um relacionamento atribulado. Ela está empenhada em curá-lo de sua depressão e desespero, assim pede ao médico que o trate com sua controversa técnica da "terapia através da fala". O tratamento vira uma verdadeira aula de psicanalise, onde os dois terão que mergulhar em si próprios, num difícil processo de auto-conhecimento. Eles então descobrem o poder da amizade e do amor.


segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

As organizações familiares e a Arteterapia



As organizações familiares (as tradicionais e as contemporâneas nos novos formatos de hoje) e a terapia familiar: Como a Arteterapia pode ajudar nestas questões?
Uma reflexão nos tempos atuais: como a Arteterapia pode trabalhar com as famílias de ontem, de hoje e do futuro?



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Arteterapia com Crianças Hospitalizadas

Autor: Gabriela Monteiro do Amaral Prado | Publicado na Edição de: Junho de 2014



Resumo: O presente estudo tem como objetivo pesquisar sobre os benefícios da utilização dos recursos expressivos na recuperação de crianças hospitalizadas. A hospitalização é uma experiência estressante, que envolve profunda adaptação da criança às diversas mudanças que ocorrem no seu dia a dia, além de ser uma situação permeada pela elaboração de perdas e lutos, tratamentos invasivos e agressivos. Quando a criança está hospitalizada, é impedida de continuar sua rotina diária e frequentar ambientes estimuladores. Dessa forma, a arteterapia pode ser um facilitador em levar a criança a aderir melhor ao tratamento, adaptar-se as rotinas hospitalares, estimular o seu desenvolvimento saudável e favorecer o equilíbrio emocional, conseguindo assim, amenizar os efeitos negativos causados pela internação e pela doença. Conclui-se então, que a arteterapia constitui-se em um meio de canalizar de maneira positiva, as variáveis do desenvolvimento da criança hospitalizada e neutralizar os fatores de ordem afetiva que, naturalmente, surgem, além de expor potenciais mais saudáveis da criança, por vezes pouco estimulados no contexto da hospitalização
Palavras-chave:Terapia pela arte, criança hospitalizada, comportamento infantil, arteterapia, psicologia hospitalar.


1. Introdução

Existe uma infinidade de definições sobre a arte. Na visão dos filósofos, Platão vê a arte como esplendor do verdadeiro. Já Aristóteles a considera como a ordem e a harmonia das partes e para Leibniz a arte é perfeição (FRANÇANI ET AL 1998)
Segundo Valladares (2008) a arte é inerente ao ser humano e é um meio de expressão, comunicação e de linguagem.
A arte não se restringe apenas a museus e galerias, ela está presente no nosso cotidiano e o artista não é somente aquele que se apresenta nos palcos. O artista é caracterizado pela capacidade de criar, trabalhar e realizar ações e obras que agradem seus sentidos e os dos outros. Na criança, a arte é encontrada de forma inata e espontânea e geralmente se manifesta em suas brincadeiras. Muitos pesquisadores já comprovaram a importância do brincar para o desenvolvimento saudável da criança. Eles destacam que o brincar ajuda no desenvolvimento sensório motor, intelectual, no processo de socialização, no aperfeiçoamento da criatividade e auto-consciencia (FRANÇANI ET AL 1998)
Freud já reconhecia a arte como projeção do inconsciente e fruto de um mecanismo através do qual os impulsos sexuais reprimidos, por não serem aceitos, são desviados por uma meta alternativa de satisfação, socialmente aceita, pelo mecanismo de sublimação. Dessa forma, a arteterapia pode ser um facilitador no processo de compreensão e resolução de estados afetivos conflituosos ao permitir a criação da arte, ou seja, por meio dela o sujeito entraria em contato com os seus símbolos a serem compreendidos e transformados. Portanto, a arte tem uma função psíquica natural com papel estruturante (BILBÃO, 2005)
Ao longo do meu aprimoramento profissional fiquei muito admirada com o trabalho da psicologia, enfermagem, doutores da alegria e contadores de histórias. Na enfermaria de Pediatria pude ver na prática como os recursos da ludoterapia e das técnicas expressivas auxiliam as crianças a elaborarem suas angústias e medos, a importância de ter espaços para expressão das emoções e também como o humor motiva as crianças aderirem melhor ao tratamento. Vivenciei na prática como todos esses recursos colaboram para o tratamento das crianças além de fazer com que o ambiente se torne mais acolhedor. Percebi que o brincar e o expressar-se através da pintura, desenho, dramatização entre outros, são técnicas valiosas para adentrar no mundo intrapsíquico das crianças, ajudando-a na elaboração de seus temores e conflitos. Durante a pesquisa percebi a relevância de que os profissionais de saúde conheçam e utilizem a arteterapia como instrumento de acesso ao psíquico.


2. Objetivo

Pesquisar sobre os benefícios da utilização dos recursos expressivos na recuperação de crianças hospitalizadas.


3. Metodologia

De acordo com Gil (2009, p. 44), a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, ou seja, livros e artigos científicos trata-se de um levantamento bibliográfico e para isto foram utilizados artigos científicos e livros. Foi consultado o acervo da Biblioteca do Hospital Santa Marcelina, o acervo particular da autora e os artigos científicos foram encontrados na base de dados Scielo no período de 2005 à 2010 e com os seguintes descritores: arteterapia, saúde mental e criança hospitalizada.

O restante deste trabalho está no link: Fonte: https://psicologado.com/atuacao/psicologia-hospitalar/arteterapia-com-criancas-hospitalizadas


Referência Biblográfica

ANDRADE, Liomar Quinto. Terapias Expressivas: Arte-terapia, Arte-Educação e Terapia Artística. 1. Ed. São Paulo: Vetor: Editora Psico-Pedagógica LTDA, 2000.

ARAUJO AMC, PÓLA CO, GOUVÊIA ME, ROSA IPR. A arte de contar histórias com o livro de folhas soltas: uma experiência junto a crianças em leitos hospitalares. IX Congresso Nacional de Eduação – EDUCERE. PUCPR out 2009.

BORTOLOTE  GS;  BRETAS  JRS.  O  ambiente  estimulador  ao  desenvolvimento  da  criança hospitalizada. Rev. Esc. Enferm USP, 2008, 42 (3), 422-9.

CIBREIROS  AS;  OLIVEIRA  ICS.  Dramatização  no  espaço  hospitalar:  uma  estratégia  de pesquisa com crianças. Esc Anna Nery Ver Enferm 2010; jan – mar; 14(1): 165-70.

COQUEIRO NF, VIEIRA FRR, FREITAS MMC. A arteterapia como dispositivo terapêutico em saúde mental. Acta Paul Enferm 2010; 23 (6): 859-62.

FERREIRA CCM,  REMEDI PP,  LIMA  RAG.  A música como recurso no cuidado à criança hospitalizada: uma intervenção possível. Ver Bras Enferm 2006. Set- out 59 (5): 689-93.

FRANÇANI, GM; ZILIOLI, D; SILVA, PRF; SANT’ANA, RPM; LIMA, RAG. Prescrição do dia: infusão de alegria. Utilizando a arte como instrumento na assistência à criança hospitalizada. Rev. Latino-am.enfermagem, Riberão Preto; v6, nº 5, p27-33, dezembro 1998.

FURTADO MCC; LIMA RAG. Brincarno hospital: subsídios para o cuidado de enfermagem. Rev Esc Enf USP. V 33, n.4, p.364-9, dez. 1999.

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

GRANIERI, L. R. B. Arteterapia e a técnica da colagem no fortalecimento do vínculo das mães adolescentes e seus filhos. Faculdade de Integração da Zona Oeste – FIZO. Osasco 2006.

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MEDRANO, Carlos Alberto. Do Silêncio ao Brincar: História do presente da saúde pública, da psicanálise e da infância. 1. Ed. São Paulo. Vetor: Editora Psico-Pedagógica LTDA, 2004.

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VALLADARES, A. C. A.; OLIVEIRA, C. A.; MUNARI, D. B.; CARVALHO, A. M. P.Arteterapia com adolescentes, Rev.Departamentode Arte terapia do Instituto Sedes Sapientiae , São Paulo, v.5, n.5, p.19-25, 2002. ISSN: 1414-6223

VALLADARES, A. C. A.; CARVALHO, A. M. P. Produção de modelagem em sessões de Arteterapia no contexto hospitalar pediátrico. Rev. Mineira de Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte: Coopmed, v.09, n.2, p.126-132, abr./jun., 2005. ISSN: 1415-2762.



sábado, 14 de fevereiro de 2015

Arteterapia e o desafio para o perdão. Como contribuir?

É uma questão para refletirmos...Como a Arteterapia pode contribuir para que o perdão seja feito de forma expressiva através de alguma modalidade de arte. Você consegue? Então, compartilhe com a gente.


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Fonte dos vídeos: Marilia Gabriela entrevista Moises Groisman (1/4)

Link: https://www.youtube.com/watch?v=f33rXeBpjMk


sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Teatro, Filosofia e Psicologia



Já na época clássica, Aristóteles, tinha reconhecido ao teatro uma função catártica: através da ficção dramática, os cidadãos poderiam reviver as suas experiências ou memórias traumáticas e expurgar memórias ou sentimentos negativos (curando-se). Hoje em dia, para além desta função clássica terapêutica, retomada no psicodrama por Moreno (1946/1972) – e cujo desenvolvimento veio a dar também origem à drama terapia, e ao teatro terapêutico, é também reconhecido o potencial do teatro em outros domínios, nomeadamente no campo do desenvolvimento psicológico.

"O teatro é uma arte milenar, que tem como principal veículo o corpo e como princípios operativos a interação/exploração e a transformação das emoções em formas estéticas"
(Artaud, 1938/1996; Brook, 1968/1996; Goldstein, 2009; Grotowski, 1968/1975; Stanislavski; 1936/2009)

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

UM RELATO DE EXPERIÊNCIA SOBRE ARTE E LOUCURA (Autor: Alan Villela Barroso)

RESUMO:O presente relato de experiência refere-se a um trabalho de imersão em um Centro de Atenção Psicossocial I – CAPS I, precisamente com pacientes da Saúde Mental da cidade de Ouro Preto, MG. Relata-se o processo artístico nas oficinas terapêuticas, assim como são realizadas as medicações com os pacientes. Analisa-se a ausência de afetividade social e a falta de oportunidades de trabalhos para estes pacientes.

1. CONTEXTUALIZANDOO seguinte relato refere-se a minha experiência como estagiário do curso de licenciatura em Artes Cênicas da Universidade Federal de Ouro Preto, realizado no Centro de Atenção Psicossocial I – CAPS I, na cidade de Ouro Preto – MG, no decorrer do ano de 2010. Este relato foi apresentado como parte do meu trabalho de conclusão de curso em dezembro de 2011.
Situado em um grande casarão, não adequadamente conservado, o CAPS I oferece permanência dia  para portadores de transtornos mentais, com oficinas terapêuticas, consultas com médicos e medicações feitas no próprio local e remédios que são oferecidos para que o paciente possa se medicar no período da noite. Para começar a descrever o CAPS I vou ater-me aos detalhes que me foram significativos.
Avista-se o jardim da entrada com algumas árvores e um portão branco modesto que range alto na hora de abrir, quase como se fosse um alarme, anunciando nossa chegada. Algumas bolas coloridas penduradas nos galhos das árvores, quem sabe dizendo-nos “bem vindos”? Talvez.     
Ao entrar pela primeira vez na recepção, me deparei com diversas pessoas, entrando e saindo, outras sentadas no sofá. Algumas pessoas me olhavam, outras não percebiam minha presença. Um sentimento de algo novo para descobrir e uma ansiedade que eu não sabia explicar. Logo depois, “bons dias”, vindo de todos os lados, sem saber se eram de funcionários ou de pacientes.   
Ficamos parados à espera de alguém surgir para nos receber. Então, fui capaz de observar alguns olhares diferentes dentro daquela sala de espera repleta de quadros pelas paredes, alguns sofás e uma recepção. Eram olhares vazios, distantes, quase inexistentes, e as cabeças baixas, calados, im-per-cep-tí-veis. Ainda bem que tem a saúde mental, se não nós íamos todos para o hospício , diz baixinho uma senhora sentada.   
Às 8h55min, aquele fluxo de pessoas aumentou. Um entra e sai ininterrupto. Era a hora do remédio. Logo, pequeninas multidões foram atrás de copos para engolirem os comprimidos. A água tá geladinha, Minhas pernas estão bambas, Vai tomar remédio não? Diziam os pacientes entre si, tomando seus remédios como se fossem receber a panacéia , ritualisticamente no mesmo horário.   
E os olhares desconfiados tornaram-se olhares curiosos e, cautelosamente, os pacientes adquiriram liberdade de se aproximarem. O que vocês estão fazendo? Estão anotando sobre a gente?, disse naturalmente C., 31 anos. E foi assim que fiz a minha primeira amizade dentro do CAPS I.   
C. tem um olhar muito fixo, tão distante que é difícil de enxergar. Um rosto quase sem expressão. Ela raramente sorri, mas quando o faz, é de uma forma tão gostosa que você ri junto com ela. Seus cabelos são raspados e ela possui uma lucidez que te faz questionar o conceito de lúcido. Mal sabíamos, era uma poetisa voraz e logo foi pedindo nosso caderno para inventar uma poesia, intitulada:
Uma Manhã Alegre
É de manhã e encontrei pessoas diferentes
Que nunca descuidam de seus parentes
Vieram na clínica fazer um trabalho
Têm muita gente que gosta de Elba Ramalho.
Fui à missa na Matriz da Igreja do Pilar
Onde todo o dia vou para rezar
E no lugar onde não pode se ousar
Os cachorros estão sempre a rosnar.
O sol aquece a cidade de Ouro Preto
Aqui têm gente a assar carne no espeto
Encontrei dois jovens estudantes
Que têm qualidades muito abundantes.
Eles são bonitos e muito inteligentes
E à aula não ficam ausentes.
A quantidade de pacientes que frequentam o CAPS I é incerto: existem pacientes que estão presentes e em tratamento durante anos, assim como pacientes que aparecem apenas uma vez e nunca mais retornam. Existem, ainda, aqueles que frequentam o serviço somente durante as crises e outros que vão para a consulta com o psiquiatra/psicólogo. A presença dos familiares é muito escassa. Geralmente, esse contato entre os familiares dos pacientes do CAPS I, dá-se apenas em datas comemorativas, principalmente no Natal.    
As oficinas terapêuticas são oferecidas por duas monitoras, que auxiliam os pacientes durante a sua realização. Dentro das oficinas, são produzidas pinturas, desenhos, bordados, etc. Os recursos para sua realização são escassos e a prefeitura de Ouro Preto não ajuda o CAPS I há seis anos para a compra de materiais básicos. Tudo é improvisado, reciclado e precário, o que não impede a livre promoção da criatividade dos pacientes.       
O que pude notar através de minhas conversas com os pacientes foi que todos eles sofreram alguma perda afetiva em sua vida, que está diretamente ligada ao núcleo familiar, o que os levou, consequentemente, a perda de sua razão: a morte do filho, da filha, dos pais, o marido preso, uma briga, trauma de infância, problemas familiares. Para o psicólogo Arnaldo Alves da Motta:
Diante de tantas dificuldades, achar uma possível causa para a doença muitas vezes pode se transformar em julgamento. Não é difícil detectar na dinâmica familiar inúmeros aspectos que contribuem efetivamente para a psicose (1997, p. 29).
Para mim, visivelmente, do que eles mais precisam nesse momento em suas vidas é de compreensão e apoio. Mas a grande questão é de quem? Visto que o lugar do “louco” na sociedade é, ainda hoje, no hospício, em serviços de assistência e instituições, longe do contato sócio afetivo, inclusive dos próprios familiares, o que vem a interferir em seu processo de recuperação, tendo em vista que “a família é o núcleo social básico e, como tal, é uma referência fundamental também para o paciente psicótico, o que justifica sua abordagem no percurso terapêutico.” (MOTTA, 1997, p. 29).      
As visitas são poucas, tanto por parte dos familiares dos pacientes, quanto da parte de pessoas da sociedade. Para a maioria dos pacientes, a família leva uma vida à parte do portador de transtorno mental e este, por sua vez, encontra-se à margem da sociedade, sem qualquer tipo de afetividade. Neste sentido, quando uma pessoa se depara com o que comumente é rotulado como “louco”, procura mais um afastamento do que uma aproximação, esta postura do “não louco” acarreta, na maioria das vezes, em um prejuízo no desenvolvimento pessoal-afetivo-social do paciente.      
O espaço destinado para as oficinas terapêuticas é agradável, arejado, com janelas abertas, tocando de fundo, às vezes, uma música antiga, ou sintonizado em alguma estação de rádio. É tudo muito livre para os pacientes. Existe o espaço para a pintura e o desenho, e também o espaço de costura, onde as senhoras mais velhas, concentradas com as suas agulhas, criam, incansavelmente, pequenos “fuxicos ”, costurando-os, como na mitologia grega, onde as Moiras  teciam o destino das pessoas na enorme tapeçaria.  
A seguir busco analisar e discutir as práticas pedagógicas e/ou terapêuticas articuladas por meio da arte, desenvolvidas por pacientes do CAPS I. Mais do que apenas analisar os produtos artísticos realizados pelos pacientes, o propósito aqui é procurar conhecer e compreender, em especifico, o cotidiano do CAPS I. Neste contexto, será foco de análise o trabalho desenvolvido pelos pacientes, conjuntamente com os funcionários, bem como, as relações estabelecidas entre pacientes e funcionários e pacientes-pacientes. 
Foram meses de cautelosa observação sobre o cotidiano do CAPS I, de seus funcionários e da forma como se desenvolve o trabalho dentro do serviço. Não sabia o que esperar do primeiro contato com os pacientes. O que poderia falar? Como deveria me dirigir a eles? Como eles reagiriam à minha presença? Ser indiferente e tentar não me envolver, ou me deixar encantar por suas particularidades?
   
2. A AFETIVIDADE E SUA AUSÊNCIAC. frequenta os Serviços de Saúde Mental desde os quinze anos e diz que preferia ir para uma escola onde teria condições de vestir roupas diferentes e deixar o seu cabelo crescer – sua percepção de normalidade? Ela gosta de sentar na rua, observar as pessoas e escrever poesias sobre o que observa. Em nosso primeiro encontro, C. me questionou:      
Aqui é uma clínica para depressivo, né? É que eu vejo muita televisão e eu tenho a cabeça ruim, aí eu acho que estou dentro de uma prisão [...] Vocês vão ficar muito tempo aqui? Tem gente que fica uns trinta minutos e vai embora.
Isso é algo muito comum dentro do CAPS I, segundo a psicoterapeuta. Quando uma pessoa diferente passa a frequentar o serviço, não permanece por muito tempo, o que afeta diretamente no comportamento dos pacientes .   
A mãe de C. faleceu quando a mesma possuía um ano e meio de idade. Aos quinze anos seu pai faleceu de câncer de pele. Após a morte do pai, passou a viver com os irmãos. C. diz que essa época foi muito dolorosa em sua vida e de como se sente um “problema” para os irmãos.     
Dona N. trabalhava como cozinheira. Sua filha mais nova faleceu em 1996. Após o ocorrido, ela parou de trabalhar e entrou em profunda depressão. Foi quando buscou ajuda no CAPS I. Ela possui outros dois filhos, sendo que um deles está preso desde os dezoito anos. N. diz ter uma relação muito complicada com o filho preso.         
Para Arnaldo Alves da Motta, não é somente o portador de distúrbio psicológico que necessita de cuidados, mas também seus familiares, que passam a sofrer pela condição do outro e, muitas vezes, não possuem conhecimento adequado sobre o que está acontecendo com o seu parente. Diz ele que:
Dentro da nossa prática, o que se evidencia é que os laços de sangue falam alto quando alguém precisa de ajuda, mas é preciso reconhecer que a família do psicótico também tem seus limites. Poder empatizar com o sofrimento de todos, oferecer continência e uma perspectiva comum é ganhar preciosos aliados na árdua tarefa do caminho terapêutico. Não nos esqueçamos de que, se o vínculo terapeuta-paciente deve ser forte para que possamos ter boas perspectivas para o tratamento, a família é a referência básica para o paciente (1997, p. 30).
Pude perceber, através de minha observação, que o vínculo estabelecido entre o terapeuta e o paciente necessita de comprometimento de ambas as partes. O paciente precisa reconhecer que carece de ajuda e deve estar apto a recebê-la. Da mesma forma, o terapeuta necessita estar constantemente ao lado do paciente, auxiliando-o em seu processo de recuperação. Por vezes, esse processo pode ser lento e conflituoso, para o paciente que deseja melhorar e para o terapeuta que busca ajudá-lo.
No meio à busca pela recuperação, acredito ser fundamental o acompanhamento por parte dos familiares no cotidiano do CAPS I. A compreensão e a afetividade contribuem efetivamente no tratamento dos pacientes, uma vez que este tipo de apoio colabora na sua predisposição em permanecer no CAPS I e receber o tratamento adequadamente.
3. A FALTA DE OPORTUNIDADES: AUSÊNCIA DO TRABALHO E SUAS CONSEQUÊNCIAS
Observei que, muitas vezes, os pacientes do CAPS I não encontram respaldo social, além de serem alijados em relação ao mercado de trabalho, o que pode ser observado no seguinte relato:
Eu tenho dois irmãos e cuido da minha mãe. Sou doente mental, porém mais lúcida que meus dois irmãos, que tem a saúde perfeita, mas o vício do álcool. O que mais me deixa triste nesse mundo é não conseguir um emprego por causa da minha condição. 
Em conversa com a monitora de oficinas terapêuticas, a mesma me disse que este relato é comum entre todos os pacientes do CAPS I. A grande maioria já trabalhou normalmente em algum momento de sua vida, mas atualmente, nenhum paciente presente possui emprego.     
Devemos considerar que neste caso, temos que ter uma análise para além das “imposições” que o sistema capitalista inculcou como “destino” natural de todos, ou seja: ser produtivo significa ser “normal” e integrado a ordem econômica vigente. Neste sentido, produtivo significa ter capacidade de produzir bens de consumo e, consequentemente, ser um consumidor. Aquele que não está inserido no mercado de trabalho pode estar também fora do mercado consumidor.       
Em oposição a essa visão “simplista” acredito que o trabalho é necessário, não somente para a produção de mercadoria, obtenção e circulação de capital; entendo que o trabalho é uma possibilidade de inserção social, respeito da coletividade a que pertence e a promoção da melhoria da auto-estima. De acordo com Michel Foucault, pensador e epistemólogo francês, “[...] a obrigação do trabalho assume um sentido: é simultaneamente um exercício ético e garantia moral.” (1978, p. 85).       
O homem trabalha para si e para o coletivo, o que promove o seu desenvolvimento social e familiar, mas, acima de tudo, pessoal. Ser um trabalhador(a) é uma condição valorizada em nossa sociedade. O homem passa a ter um valor por aquilo que faz e produz, mas quando o mesmo é incapacitado de trabalhar, torna-se um fardo para seus pares e, como consequência, para si mesmo. 
Para o portador de distúrbio psicológico, o problema é ainda maior, uma vez que este já se encontra excluído socialmente. Ele passa, então, a desacreditar de si mesmo e de suas capacidades de produção. Para Arnaldo Alves da Motta, o paciente entra em um processo de “cronificação”... 
...no qual um sintoma vai se configurando de tal forma que, a certa altura, passa a ser um estado sem possibilidade de retorno. O crônico é “um sem esperança” para quem não existe qualquer perspectiva restauradora. O seu estado é de alguém que perambula através da repetição inercial, desconectada de significado (1997, p. 55/56).
Dentro deste processo de cronificação, as capacidades de produção dos pacientes tornam-se nulas: sem conseguirem se expressar, caminham pelos cantos do CAPS I repetidamente, até que o corpo se canse, não encontrando sentido para participarem das oficinas, refugiando-se, cada vez mais, nos remédios.        
Abaixo temos uma tabela retirada do portal do Ministério da Saúde , divulgada em 2010, onde apresenta, em números, as iniciativas de Inclusão Social pelo Trabalho:
A parceria entre os ministérios da Saúde e do Trabalho e Emprego (Secretaria Nacional de Economia Solidária) permitiu a criação de uma política de incentivo técnico e financeiro para as iniciativas de inclusão social pelo trabalho. A Coordenação Nacional de Saúde Mental utiliza o Cadastro Nacional das Iniciativas de Inclusão Social pelo Trabalho (CIST) para mapear as experiências de geração de trabalho e renda no campo da saúde mental, que já são 393. Este cadastro é um importante instrumento para a construção de uma rede de apoio às iniciativas (BRASIL, 2010, p. 21) .


Em nosso país, “23 milhões de pessoas (12% da população) necessitam de algum atendimento em saúde mental.” (LOURENÇO, 2010, s/p).  Sendo assim, temos um total de 393 iniciativas de inclusão social pelo trabalho para 23 milhões de brasileiros com transtornos mentais. Um número muito pequeno de iniciativas que não conseguem atender ao público supracitado.    
A falta de oportunidade de inserção dos pacientes do CAPS I no mercado de trabalho foi perceptível durante toda minha trajetória de estágio. Eu procurava conhecer, ao máximo, os pacientes que se aproximavam e, no geral, a única atividade que exerciam eram as oficinas terapêuticas e, ainda assim, suas produções não geravam um retorno financeiro e nem ficavam de posse de quem as confeccionavam.          
Para Michel Foucault, o “louco” incapaz de exercer trabalho, acarreta um problema social:
A partir da era clássica e pela primeira vez, a loucura é percebida através de uma condenação ética da ociosidade e numa imanência social garantida pela comunidade de trabalho. Esta comunidade adquire um poder ético de divisão que lhe permite rejeitar, como num outro mundo, todas as formas da inutilidade social (1978, p. 83/84).
Como já discutido neste relato, o sujeito ocioso, que não produz e, consequentemente, não consome, torna-se inútil para a sociedade. Socialmente, o “louco” é visto como incapaz de raciocinar, de se comunicar e de exercer trabalho, produção de capital e sustentabilidade, tornando-se um fardo para a sociedade capitalista. O que lhe resta é a internação, que para Foucault:
[...] é uma criação institucional própria ao século XVII. Ela assumiu, desde o início, uma amplitude que não lhe permite uma comparação com a prisão tal como esta era praticada na Idade Média. Como medida econômica e precaução social, ela tem valor de invenção. Mas na história do desatino, ela designa um evento decisivo: o momento em que a loucura é percebida no horizonte social da pobreza, da incapacidade para o trabalho, da impossibilidade de integrar-se no grupo; o momento em que começa a inserir-se no texto dos problemas da cidade (1978, p. 89).
Neste caso, penso que existe uma visão pré-estabelecida da sociedade em relação ao portador de distúrbio psicológico. Sem capacidade de produção e condição para consumo, ele é destinado apenas ao convívio familiar ou aos serviços de Saúde Mental que, muitas vezes, apresentam-se como seu exclusivo meio de socialização com outras pessoas.       
As iniciativas de inclusão para o trabalho existem, mas ainda são poucas, levando em consideração o grande número de pessoas com transtornos mentais. É certo que um portador de transtorno mental possui suas limitações, mas há de se considerar a oportunidade de trabalho e de produção como uma contribuição na busca de sua autonomia e, em alguns casos, de sua recuperação. A inclusão social só será alcançada quando os mesmos passarem a conviver socialmente.     
Finalizo esse assunto com as palavras do paciente J. que desenhou um coração chorando. Perguntei-lhe o que representava e me respondeu:
Meu coração está assim, triste, chorando, pois eu não posso fazer nada. Eu apenas venho ao CAPS e depois fico trancado dentro do quarto. A vida é injusta, Alan. Você não acha?
4. EQUILÍBRIO FAVORÁVELA palavra cura tem o significado de cuidar, e é baseada na abordagem que conceituo aqui como um longo caminho de transformação, uma busca constante do indivíduo na ampliação de sua consciência.
Selma Ciornai.
Um paciente novo se aproximou curioso com a presença de pessoas novas dentro do CAPS I. W., 20 anos, simpático, arrumando o seu cigarro, nos contou algumas histórias de sua vida e reclamou com a funcionária: Esses remédios seus que vocês tão me dando aí tão me baqueando demais. Nem sinto o meu corpo.       
Reclamação a respeito dos efeitos dos remédios não veio apenas desse paciente, mas da maioria com os que eu estive em contato, o que me gerou certa preocupação sobre a medicação. Evidencia-se a forma metódica como os pacientes se relacionam com os remédios, procurando tomá-los nas horas corretas. É interessante notar como eles se policiam e policiam os outros, perguntando: Já tomou seu remédio hoje?       
Perguntei ao enfermeiro do CAPS I como funciona a distribuição de medicamentos para os pacientes. Ele me disse que,
Inicialmente, nós dividimos os remédios de cada usuário. Geralmente eles se medicam com diversos comprimidos diferentes, de acordo com o seu prontuário. Separamos os medicamentos por manhã, tarde e noite, em saquinhos diferentes, etiquetados com os nomes e o horário para ser ingerido. Na parte da manhã e da tarde eles se medicam aqui mesmo, caso estejam no CAPS, mas a medicação noturna é feita em casa.
Questionei-me, então, sobre qual a importância desses medicamentos. De acordo com o enfermeiro:
É para controlar os pacientes, para que eles não entrem em crise. Estabilizá-los, até que diminua a dosagem e a quantidade de remédios, mas isso varia bastante de paciente para paciente, pois em alguns é difícil conseguir essa diminuição. Tem paciente que toma de quinze ou mais remédios, mas muitos desses medicamentos são para diminuir o efeito colateral de outros. Vários pacientes ficam sonolentos, alguns babando, então é preciso diminuir esses efeitos com outros remédios, até conseguir um equilíbrio favorável.
Percebi ser difícil alcançar esse “equilíbrio favorável”. Para mim, parece que a medicação toma uma proporção enorme, como um efeito “bola de neve”, onde o paciente é submetido a diversas medicações, uma após a outra, sempre em busca de um equilíbrio, que parece estar cada vez mais fora de seu alcance.         
O que observo referente à medicação é que os pacientes acreditam necessitar delas para estarem calmos e tranquilos durante o passar do dia e, talvez, eles realmente precisem. Porém, o que mais me chamou a atenção é a forma como a medicação os impossibilita de agir, pensar, criar e se expressar. A sonolência é grande, como o caso de uma paciente que dorme pelos cantos do CAPS I ao invés de participar das atividades na oficina terapêutica. A comunicação também é escassa, uma vez em que eles se encontram com os sentidos profundamente alterados pelas drogas.
Para Nise da Silveira, médica psiquiátrica fundadora da Casa das Palmeiras para o tratamento de doentes psiquiátricos fora de manicômios, pacientes que são submetidos a drogas:
Queixam-se de entorpecimento das funções psíquicas, dificuldade de tomar decisões, sonolência permanente. Verificamos nos doentes submetidos a neurolépticos , nos diferentes setores de atividade da Seção de Terapêutica Ocupacional e Reabilitação, redução ou perda total da capacidade criativa (1992, p. 13).
Observei pacientes com os efeitos da medicação durante as oficinas terapêuticas. Seu desenvolvimento para a criação é bastante lenta, assim como o seu corpo, sempre com gestos lentos e imprecisos. A comunicação verbal se extingue e traços, aparentemente sem sentidos, são esboçados no papel.
5. A OFICINA TERAPÊUTICAO desenho é como o vivo da pintura: o mais movimentado, o mais fugaz, o mais furtivo, o mais mortal. Se avança sem maquete, sem esboço, sem projeto. Prestando uma grande atenção às posições do corpo imerso no espaço onde ele vem se debater, falar por gestos.
Valère Novarina.
Durante uma oficina terapêutica fiz minha segunda amiga poeta. Dona N. 41 anos, nos disse que adora as oficinas, pois se não teria que ficar em casa, depressiva. E diz também que adora poesia, que tem um caderno cheio em sua casa e que trará semana que vem para me mostrar, e escreve, com uma caligrafia cuidadosa, versos em meu caderno:
Te amei no passado
Te amo no presente
E se o futuro permitir
Te amarei eternamente.
As pessoas são como as estrelas,
Não vemos toda hora
Mas sabemos o quanto elas são importantes
Na nossa vida.
Pessoas como você
São difíceis de encontrar
Fáceis de gostar
E impossíveis de esquecer.
Dona N. confessou-me que se refugia na escrita de seus poemas, para mais fácil meio de expressão: Aquilo que eu não consigo falar, eu escrevo, e finalizou nossa conversa me dizendo que: O amor a gente não rouba e a gente não empresta. A gente conquista.      
Por detrás das portas do CAPS I, diversos são os pacientes que ficam anos sem conseguirem se comunicar inteligivelmente através da fala, e se deparar com pacientes como N., que conversa e escreve o tempo todo, é quase raro. Para aqueles que não conseguem se expressar verbalmente temos o universo das artes para atuarem como mediadores na comunicação entre o consciente e o inconsciente. De acordo com o psiquiatra suíço Carl Gustav Jung, durante um processo de criação artística:
Enquanto seu consciente está perplexo e vazio diante do fenômeno, ele é inundado por uma torrente de pensamentos e imagens que jamais pensou criar e que sua própria vontade jamais quis trazer à tona. Mesmo contra a sua vontade, tem de reconhecer que nisso tudo é sempre o seu “si-mesmo” que fala, que é a sua natureza mais íntima que se revela por si mesma (1985, p. 61-62).
Por meio do “diálogo” que estabeleci com diversos pacientes durante as oficinas, momentos de lazer e pelos corredores, reconheço serem verdadeiras as falas de Jung. Por vezes, nos comunicávamos através do silêncio, e esse diálogo supracitado refere-se ao contato visual, gestual e da expressão facial de cada um, que foi mais perceptível durante as oficinas terapêuticas, nos momentos individuais de criação dos pacientes.
Foi interessante notar que, muitos dos pacientes que nada falavam antes das oficinas, ao desenhar ou pintar, começavam, aos poucos, a se expressarem, contarem histórias ou apenas sorrirem. Pareceu-me que, no ato de criar, uma porta trancada abria-se para cada um, onde alguns não hesitavam em passar por ela, e outros, com cautela, iam atravessando-a, nos revelando e “anunciando abertamente aquilo que ele nunca teria coragem de falar.” (JUNG, 1985, p. 61-62).

Todos os pacientes buscam produzir algo durante as oficinas, que são sempre coordenadas pelas monitoras, atentas e sorridentes. A monitora disse-me que é muito difícil um paciente conseguir se concentrar de fato em algo, seja durante a oficina de produção de fuxico/pintura, seja na exibição de um filme. Geralmente eles saem para ir ao banheiro, ir beber água, tomar remédio, ou simplesmente levantar e andar um pouco.     
Alguns pacientes interagem entre si e brincam, outros no seu canto, desenhando sozinhos com seus materiais. Foi o caso de C. que nos exibia, orgulhosa, seus desenhos e seus lápis. Ela diz que fará um desenho meu e me pede para ficar parado de frente para ela. Os traços no papel começam a ser criados, e logo, um retrato meu é exibido com muito orgulho.
Disse a usuária: Acho que a polícia deveria me contratar para desenhar os bandidos. Eu até mandei um desenho para eles uma vez, mas eu acho que eles jogaram fora. E foi então que ela nos presenteou com uma nova poesia, que fala sobre a sua percepção e vivência dentro do CAPS I:
Num Lugar Secreto
O lugar onde recebo tratamento é clínica
Aqui quando sento na grama me pinica
As formigas que andam na grama
Trabalham enquanto alguém se ama.
A clínica psiquiátrica há muito me abriga
Têm gente que com os outros muito briga
A pessoa quando vê luz acesa desliga
E que parece que quase não liga.
Com os pacientes do CAPS todo dia fico
E gosto de ver o outro rir e pagar mico
Aqui há árvores e muita gente junta
Que têm muito problema e pergunta.
Venho aqui todos os dias onde estou
E passear na rua São José vou
Muita alegria uma pessoa para mim passou
O homem que trabalhava se cansou.

Podemos perceber que o poema acima refere-se ao CAPS I e a visão que C. possui deste lugar, onde recebe o tratamento, evidenciado logo no primeiro verso. O poema possui quatro estrofes, e a primeira frase de cada estrofe refere-se diretamente ao CAPS I e vai desdobrando-se para outros lugares e impressões.        
Na segunda e terceira estrofe, C. refere-se aos outros pacientes da clínica e a forma como ela se relaciona com eles, sendo perceptível que ela é bastante observadora e, por vezes, individualista. Durante o estágio, pude perceber que C. pouco conversa com os outros pacientes, às vezes se sente incomodada com a aproximação deles, mas sentada na grama, os observa com cautela, achando graça das situações.       
Vejo que a paciente refugia-se em sua escrita e se sente valorizada ao demonstrar para as outras pessoas que consegue fazer poemas. Sempre com o caderno e a caneta em mãos, vai caminhando pelas salas do CAPS I, por vezes parando uma pessoa ou outra e dedicando-lhe um poema. Acredito que isto possa estabelecer uma relação mais íntima entre a paciente e o outro, ao qual ela se propõe a escrever, revelando suas impressões de determinados locais e situações, seus anseios e desejos, aproximando-nos de sua realidade pessoal.          
Não se envolver com os pacientes é difícil. Eles têm necessidade de se aproximarem, conversarem, contarem histórias e receberem atenção e nós temos desejo em conhecê-los, escutá-los, enfim, de tornar essa troca possível. Exibem-nos a sua criação com brilho nos olhos e assim vai se construindo a afetividade, o que para eles é muito precário na sociedade em que estamos habituados a viver e, quando construída, é de extrema importância.    
As monitoras de oficinas terapêuticas separam os trabalhos por pastas. Cada paciente possui uma, onde contém todos os trabalhos criados em papel. Quando tratam-se das pinturas em telas, elas ficam, ou afixadas nas paredes do CAPS I, ou enfileiradas nas estantes. A monitora mostrou-me alguns trabalhos produzidos dentro das oficinas. Impressionado com algumas criações, perguntei-lhe se os médicos psiquiatras que trabalham lá faziam alguma análise, relacionando-as com o seu criador. Ela, com uma expressão nítida de decepção, respondeu que não. E além de as obras não serem analisadas, os pacientes não podem levá-las para casa.      
Em conversa, a monitora disse-me que não existe uma organização do CAPS I para a construção de um acervo ou exposição dessas criações. Por sua vez, essas se estagnam nas estantes durante anos, acumulando e mofando, estragando ao ponto de tornarem-se indecifráveis, impossibilitando a leitura da forma mais íntima de comunicação de um paciente com transtorno mental: a arte.        
De acordo com as idéias da arteterapeuta Maria Cristina Urrutigaray, o fazer artístico pode demonstrar concretamente o que se envolve internamente em um paciente:
A arte se converte em um elemento facilitador ao acesso do universo imaginário e simbólico, permitindo o desenvolvimento de potencialidades latentes ou rituais, bem como o conhecimento de si mesmo. Ao trabalhar com materiais plásticos o indivíduo tem a possibilidade de criar uma nova forma a partir de uma forma original. Materiais como argila, lápis, tinta, papel, etc, realizam por um lado a execução prática de uma idéia (fantasia, sentimento, conflito, etc.) como exercitam a inteligência ao dar uma nova configuração a um modo particular de ser (2004, p. 28).
Portanto, por meio do fazer artístico, o paciente passa a se conhecer mais intimamente e transfere para a obra artística o seu universo imaginário e simbólico. Desta forma, percebemos que a arte pode ser um caminho eficaz para que consigamos compreender as necessidades e conflitos em um paciente portador de transtorno mental, uma vez que ela nos possibilita conhecê-los mais intimamente. 
Abandonar essas obras é abandonar o paciente, pois essas atividades de expressão, como parte integrante dos tratamentos terapêuticos, auxiliam no desenvolvimento dos envolvidos em sua produção, auxiliando, também, médicos, enfermeiros e monitoras na aproximação da afetiva dos pacientes. Como diz Nise da Silveira, “a tarefa do terapeuta será estabelecer conexões entre as imagens emergentes do inconsciente e a situação emocional que está sendo vivida pelo indivíduo.” (s/a, p. 6).         
Nise da Silveira buscava extinguir o conceito hospitalar fundamentado na constante medicação a fim de conseguir um “controle” mental dos pacientes, dedicando-se à busca de uma maneira aonde o esquizofrênico pudesse expressar-se de forma livre e comunicar-se, já que, muitas vezes, esses pacientes privavam-se da comunicação verbal. Nise criou, então, ateliês de pintura, modelagem, costura e bordado. Acreditando ser essa a melhor forma do terapeuta se conectar com o paciente, decifrando e analisando suas manifestações artísticas com a sua realidade, ela fundou o Museu de Imagens do Inconsciente, em 1952, no Rio de Janeiro. As obras criadas nas Oficinas de Terapia Ocupacional iam direto para as paredes do museu, como forma de acervo e pesquisa.       
Centenas de trabalhos são criados dentro das oficinas terapêuticas, sendo a maioria de desenho e pintura. No meio desses trabalhos, é interessante observar as pinturas de alguns pacientes, como por exemplo, a do paciente J. Quando este entrou no CAPS I, a única imagem que conseguia reproduzir era a de símbolos circulares.
Segundo Jung citado por Nise da Silveira, símbolos circulares representam unidade e ordem. É uma tentativa de auto-cura inconsciente referente à desordem psicológica do paciente onde “o molde rigoroso imposto pela imagem circular [...] compensa a desordem e confusão do estado psíquico.” (SILVEIRA, 1987, p. 32).     
No decorrer de seu tratamento no CAPS I, constatou-se que o paciente J., aos poucos, deixou de fazer símbolos circulares e passou a desenhar fortes riscos. De acordo com a Psiquiatria Clássica, as pinturas dos esquizofrênicos estariam voltadas para a abstração e o geometrismo, não havendo, quase sempre, formas orgânicas. Essas formas de representação foram explicadas como uma forma de regressão e de dissolução da realidade. Para Jung, demonstrariam o mais íntimo estado de caos da psique, uma vez que “as camadas mais profundas da psique perdem sua singularidade individual à medida que mergulham na escuridão.” (JUNG, 1964, p. 265).
6. CONSTRUINDO RELAÇÕESA relação entre os pacientes do CAPS I deu-se de uma forma bastante variada. A maioria não conversava, ou quando tentavam, soltavam apenas algumas palavras e depois retornavam para seus pensamentos. Outros pacientes dormiam, enquanto alguns ficavam sozinhos pelos cantos. Por outro lado, existiram aqueles que conversavam entre si quase todo o tempo. Os assuntos entre eles geralmente estavam em torno da família, dos filhos, da casa e sobre os remédios.       
Dona E. estava um pouco introspectiva. A psicóloga me disse que ela quase brigou com uma paciente. Indaguei E. sobre o acontecido e ela, revoltada, relatou:
Ah, eu pedi para a metida da garota chegar para o lado para eu poder sentar e ela me disse para eu ir procurar outro lugar, pois ali já estava cheio. Ela foi grossa comigo.
Perguntei para a monitora de práticas terapêuticas como os pacientes se relacionavam entre si. Eis a resposta:
Sempre acontecem brigas e discussões. Nós, monitores, procuramos não interromper de imediato quando algo acontece, pois eles, geralmente, conseguem resolver o conflito. Aqui é como uma escola, hoje eles estão brigados, mas amanhã tornam-se os melhores amigos. É positivo estabelecer uma rotina com os pacientes, pois assim eles se disciplinam mais facilmente, mesmo que muitos possuam uma grande dificuldade de organizar seus horários e seus afazeres.
Observei em alguns pacientes a forma como eles cuidam e preservam seus objetos pessoais. Dentro do CAPS I é tudo bastante precário, seja na alimentação, seja no material destinado às oficinas, assim como os pertences dos próprios pacientes. Segundo a terapeuta, a maioria chega ao serviço sem objetos básicos de higiene, como escova de dente, e os familiares, em quase todos os casos, não dão o auxílio necessário para a manutenção.
Constatei, então, que eles têm dificuldades em emprestar para os outros pacientes os seus poucos pertences. Ouvi deles frases como: Esse cara toda hora quer um cigarro da gente. Quem quer tem que comprar o seu. Se bem que eu faço a mesma coisa, mas não é sempre. E também: As pessoas pedem o meu celular emprestado, mas eu não empresto. Um terceiro exemplo: Eu não empresto meus lápis e minhas canetinhas, se não eles usam de qualquer jeito e acabam estragando.           
A relação estabelecida entre os pacientes e seus monitores foi pacífica e colaborativa. O CAPS I possuía duas monitoras de Práticas Terapêuticas que estiveram sempre com os pacientes, de manhã até o fim da tarde. Nem todos os pacientes lá presentes compareciam às oficinas, alguns apenas iam se consultar com os médicos ou tomar os seus remédios. Mas existiram pacientes fiéis às oficinas, como a que me disse, enquanto desenhava:
Eu adoro estar aqui, pintando, desenhando, fazendo alguma coisa, pois se não eu estaria em casa, sem ter o que fazer, pensando na vida, me deprimindo. Quando eu venho pra cá eu fico muito mais feliz.
O papel das monitoras é tomar conta de tudo: trazer e cuidar dos materiais que serão utilizados, dos cuidados necessários para cada paciente, de saber se eles estão bem ou precisando de alguma coisa, do horário do café da tarde e para os imprevistos que podem ocorrer.
Segundo a monitora de Práticas Terapêuticas, essa relação entre o paciente e o monitor pode ser um pouco complicada. Eis alguns de seus comentários:
A gente sempre acha que haverá um respaldo técnico de como se posicionar diante dos pacientes, de como conversar, sobre o que se pode conversar, o que não se pode falar, até mesmo sobre o que vestir adequadamente. Todas essas coisas passaram pela minha cabeça antes de estar aqui, mas quando você chega, a realidade é muito diferente. Os profissionais estão absorvidos com as suas coisas, nos seus atendimentos, então esse respaldo não nos é dado e você vai aprendendo com o paciente a forma de criar essa relação. Você acaba aprendendo errando, pois em algum momento faz-se um comentário pequeno, que você acha ser ínfimo, mas para o paciente acaba tomando uma proporção enorme. Eu acho que a melhor forma de lidar com o paciente é na mesma proporção que eles lidam com você, que é muito particular. Você vai aprendendo na particularidade de cada um como você irá vivenciar o dia a dia com ele. Se um é mais extrovertido, você também será mais extrovertido, se um é mais fechado, você será mais fechado, se um te abraça, você também abraça, e vai assim, nessa relação.
 Quando iniciei meu estágio de observação no CAPS I, passei pelas mesmas dúvidas referidas pela monitora. Houve, inicialmente, uma entrevista entre os estagiários, a terapeuta ocupacional e as duas monitoras. Nessa entrevista, nos foi informado sobre a conduta de alguns pacientes e que deveríamos nos atentar em seus dias de crises.  Mas a nossa convivência foi sendo estabelecida aos poucos, pelo dia a dia e por meio do diálogo. Nem sempre um paciente irá te tratar da mesma forma como te tratou no dia anterior. Percebi que quando eles entram em crise, podem demorar semanas ou meses para se recuperarem novamente, tornando a relação com os profissionais e os outros pacientes mais frágeis. No meu caso, como apenas um observador, foi preciso então, distanciar-me, mas estar presente quando o paciente necessitava de algum apoio, como uma simples conversa.   
Segundo a monitora, os profissionais acreditam ser o distanciamento desses pacientes a melhor forma de interação, pois eles reagem de uma forma muito extrema: ou será positivo ou negativo.
Mas não é assim que eu percebo, no dia a dia. Lógico que tem dia que você chega, eles te abraçam, como tem dias que eles passam por você e nem te cumprimentam. Isso é normal. Eu não leio os prontuários deles para saber que tipo de doença eles tem, pois eu quero lidar com eles enquanto pessoas, porém eu não ajo como se eles estivessem todos bem. Você precisa estar sempre atento com o que você faz e o que você diz.
A atenção e o cuidado, com o que você fala ou faz, devem estar presentes a partir do momento em que se adentra o CAPS I. A relação deve ser estabelecida de acordo com a receptividade de cada paciente, e ainda assim são muito variáveis, como os próprios pacientes, que variam seu emocional dependendo do dia, da medicação ou do tratamento que recebe.
Em meu primeiro dia no Serviço de Saúde Mental, C. me disse uma coisa que eu jamais pude esquecer: Vocês são inteligentes e me ensinaram muitas coisas hoje. Fizeram-me muito bem, assim como eu ensinei para vocês também. É uma troca. E agora, percebo o valor precioso que se tornou essa troca, para mim, como pessoa, estagiário e arte/educador, e para eles, meus amigos do CAPS I.
7. CONSIDERAÇÕES FINAISObservei que o fazer artístico vem a ser um importante meio de manifestação para pessoas que, muitas vezes, não conseguem expressar sentimentos e conflitos por meio de palavras. Neste caso, segundo Nise da Silveira:
Será preciso partir do nível não-verbal. É aí que se insere com maior oportunidade a terapêutica ocupacional, oferecendo atividades que permitam a expressão de vivências não verbalizáveis por aquele que se acha mergulhado na profundeza do inconsciente, isto é, no mundo arcaico de pensamentos, emoções e impulsos fora do alcance das elaborações da razão e da palavra (1992, p. 16/17).
Este foi o caso dos pacientes do CAPS I de Ouro Preto durante as oficinas terapêuticas, onde as artes, por meio do desenho, da pintura, escrita, entre outras formas de manifestação, serviram como meio de comunicação e, também, como uma forma de recuperação terapêutica de crises e conflitos que os fizeram perder, outrora, a razão. Como constata Nise da Silveira:
O trabalho no atelier revela que a pintura não só proporciona esclarecimentos para compreensão do processo psicótico, mas constitui igualmente verdadeiro agente terapêutico. [...] As imagens do inconsciente objetivadas na pintura tornam-se passíveis de uma certa forma de trato [...] retendo sobre cartolinas fragmentos do drama que está vivenciando desordenadamente, o indivíduo dá forma a suas emoções, despotencializa figuras ameaçadoras (1992, p. 18).
Estes pacientes, por não conseguirem se expressar verbalmente de maneira inteligível, criaram artisticamente formas e cores para suas inquietações, possibilitando compreensão para estes conflitos. A arte transformou-se em uma ponte que ligou o paciente de distúrbio mental ao outro, possibilitando uma comunicação sensível, revelando o mais íntimo do ser e permitindo a troca de experiências, vivências e afetividades, contribuindo favoravelmente para a recuperação destes pacientes.       
O contato com cada paciente pareceu-me muito sincero e delicado, sempre com um cuidado maior com o que eu iria dizer ou perguntar. Mas o interessante é que eu não precisava ir até os pacientes para conhecê-los, ao contrário, eles vinham até mim com a intenção de me conhecerem e de que eu os conhecesse.
Construímos, a cada dia, uma relação embasada no respeito e no afeto, e é esta relação construída que eu levo como fruto maior de meu estágio. Por certo, somos pessoas diferentes, com personalidades e visões de mundo distintas, mas as expressões de nossas personalidades e de nossas visões pessoais se manifestam de formas similares: por meio do fazer artístico, da escrita, do bordado, da pintura, do canto, do rabisco.
essas manifestações que revelam ao outro e a nós mesmos o nosso interior mais íntimo e profundo, que no caso destes pacientes em particular, eram visíveis nas paredes dos corredores e das diversas salas do CAPS I: a humanidade retratada em óleo sobre tela.

Notas:
 i Permanência dos pacientes pelo período da manhã e tarde, com internação e Oficinas Terapêuticas.
 iiPara melhor compreensão do leitor, no decorrer do texto, todos os relatos de pacientes e/ou funcionários estarão sublinhados para se diferenciarem do restante dos textos e citações.
 iiiConhecido popularmente como um remédio para todos os males.
 ivFlores de retalhos e/ou tecidos.
 vDe acordo com a Mitologia Grega, as Moiras eram três irmãs responsáveis por fabricar, tecer e decidir o destino de todas as pessoas.
 viNo decorrer do relatório, busquei referir-me as pessoas que utilizam os serviços oferecidos pelo CAPS I como pacientes e/ou usuários.
 viiPaciente do CAPS I em maio de 2010.
  www.saude.gov.br.
  http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/smdados.pdf.
 http://saude.ig.com.br/transtornos+mentais+atingem+23+milhoes+de+pessoas+no+brasil/n1237686  125917.html.
viii  Resposta dada no CAPS, em abril de 2010.
  Idem.
 ixMedicamentos inibidores das funções psicomotoras.
 x Resposta dada no CAPS, em abril de 2010.
 xi Idem.
 xiiIdem.
Bibliografia
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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______. Os inumeráveis estados do ser – exposição Museu de Imagens do Inconsciente,1987. Optagraf – ZIT Gráfica Editora.
URRUTIGARAY, Maria Crisitna. Arteterapia – A transformação pessoal pelas imagens. Rio de Janeiro. Wak, 2004.
Publicado em 26/09/2012
Currículo(s) do(s) autor(es)
Alan Villela Barroso - (clique no nome para enviar um e-mail ao autor) - Atualmente é licenciando em Artes Cênicas pela Universidade Federal de Ouro Preto. Professor de Artes da Associação do Grupo da Terceira Idade - AGTI e do Centro Educacional Mundo Mágico. Bolsista voluntário do programa de iniciação científica da UFOP com a pesquisa em andamento: "Teatro e Letramento na Educação de Crianças: limites e limiares de uma proposta interdisciplinar". Tem experiência na área de Artes, com ênfase em pedagogia do teatro, letramento e educação infantil, atuando principalmente nos seguintes temas: teatro, letramento e arte-educação.Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4403428095035317


Fonte: http://www.psicopedagogia.com.br/new1_artigo.asp?entrID=1521#.VNoEOyvF_YA